ADOÇÃO TARDIA
Marlizete M.Vargas
Tardia é um adjetivo usado para designar a adoção de crianças maiores. Considera-se maior a criança que já consegue se perceber diferenciada do outro e do mundo, ou seja, a criança que não é mais um bebê, que tem uma certa independência do adulto para satisfação de suas necessidades básicas. Vários autores consideram a faixa etária entre dois e três anos como um limite entre a adoção precoce e a adoção tardia. Outros fatores também concorrem para essa avaliação como o tempo de permanência da criança em instituição e o seu nível de desenvolvimento. Pode acontecer que crianças com dois, três anos ainda não apresentem comportamentos compatíveis com a sua faixa etária, ou seja, não andam sozinhas, não falam ou usam fraldas e a adaptação delas não apresentará características típicas de uma adoção tardia, como as fases de comportamentos agressivos ou regressivos, pelas quais passam a maioria das crianças adotadas a partir dessa idade.
É importante avaliar a prontidão da criança e dos adotantes para constituírem uma nova família a partir de questões como:
- Como foi o processo de aproximação da criança com a família?
É importante que a criança deseje ir viver com a família, que esteja disposta a aceitá-los. Ela é encaminhada pelos profissionais encarregados de operar a sua adoção por aquele(s) adotante(s), é escolhida por ele(s), mas deve manifestar sua vontade, deve ser ativa no processo de aceitação daquela(s) pessoa(s) como seus pais. Nesse processo, é fundamental a atitude do adotante, de se mostrar disponível para ser adotado pela criança numa postura mais passiva do que ativa. A criança necessita se sentir livre para a sua escolha e, ao mesmo tempo, segura de que é querida, é aceita. Isso nem sempre acontece nas primeiras semanas ou meses de convivência. A angústia dos pais, ante a incerteza de ser aceito pelo filho, que ainda resiste a lhe chamar de pai/mãe, muitas vezes, pode ser o passo inicial para as dificuldades de adaptação da criança numa família. A aproximação paulatina entre criança-família também pode operar o ajuste necessário entre a criança idealizada e a criança que está ali para ser adotada, que já tem traços bem definidos, além de uma história e de hábitos adquiridos em relações anteriores. A criança também precisa adaptar-se aos novos modelos de pais. Muitas vezes a instituição reforça uma super idealização da família adotiva.
- Como foi a separação da criança da mãe ou família biológica?
A retirada da criança da família por mandado judicial devido a maus tratos, por exemplo, pode ser muito traumática e deve ser trabalhada por profissionais habilitados que acompanhem a criança e ajudem a elaborar essa situação. Crianças que estão ainda em intenso sofrimento pela perda dos vínculos com a família biológica, estão mais vulneráveis a dificuldades de adaptação num novo ambiente familiar. As dificuldades para estabelecer novos vínculos afetivos, para adotar, de fato, os novos pais, podem ser bem maiores, ou até intransponíveis, naquele momento com aquela família, ou mesmo, permanentes.
- Outras figuras às quais a criança tenha se apegado e separações no período que antecedeu o processo de adoção
Quanto mais perdas a criança tenha sofrido, mais frágil poderá ser a sua capacidade de confiar no outro, elemento básico para o estabelecimento de relações afetivas. A elaboração das perdas anteriores é um importante fator na avaliação das condições da criança para assumir seu papel de filho numa nova família. Crianças que foram devolvidas após um período de convivência, para fins de adoção em outra família, podem ter maior resistência para confiar na aceitação da família. Sua auto-imagem pode estar prejudicada, sentir-se culpada pelos abandonos, rejeições e devoluções. Pode acontecer que ela necessite testar o amor dos adotantes, emitindo condutas inaceitáveis, rejeitando manifestações de carinho, agredindo para testar os limites dos pais adotivos, ou seja, “até que ponto ela será aceita”, apesar de toda a sua capacidade destrutiva (conforme suas fantasias que se relacionam à auto-imagem negativa de si). Pode ser, também, que, por medo de ser mais uma vez abandonada, a criança se proteja de um novo abandono, rejeitando a vinculação afetiva com os adotantes. Nesses casos, a relação com o ambiente físico pode ser muito boa, apegar-se aos objetos, valorizar a posse dos mesmos, colocando barreiras que a protejam de mais frustração, de mais um abandono. O trabalho da família na recuperação da confiança básica de uma criança com tais características, pode requerer um acompanhamento de um profissional que auxilie o grupo a estabelecer um padrão de comunicação.
- O tempo e as condições em que a criança ficou abrigada
Muitas instituições tinham uma cultura de “igualar” todas as crianças e de não tratar de questões dolorosas como as perdas sofridas pelas mesmas, ao lá ingressarem. Quanto maior o tempo da permanência da criança num abrigo, maior poderá ser o risco dela vir a ter dificuldades na adaptação numa família. Por outro lado, quanto mais tarde ocorrer a institucionalização e quanto mais próximo de um lar forem as características do abrigo, menores poderão ser esses riscos. O que se observa é que muitos abrigos funcionam ainda como depósitos de crianças. Estando lá, as crianças estão isoladas do mundo num ambiente bastante pobre em estimulação essencial para o desenvolvimento normal de suas potencialidades. Não aprendem a desempenhar o papel de filho, a se sentir pertencentes a um grupo que desempenha todas as funções de proteção e atenção das necessidades básicas de seus membros, que se relacionam de acordo com seus papéis de casal, pais/filhos e irmãos. Necessitam, então, de um período de aprendizagem para desempenhar o seu papel na família adotiva, que pode variar muito de criança para criança, independentemente de sua idade.
Marlizete Maldonado Vargas é doutora em Psicologia e presidente do Ceicrifa (ONG que atua na formação de profissionais, realização de pesquisas e atenção direta à crianças e famílias em situação de risco).
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